31.7.06

O que fazer depois da leitura?

Somos dos que pensamos que toda leitura é culturalmente sagrada, na medida em que a consideramos valorizadora do pleno desenvolvimento de uma pessoa. Ao ler um livro, transcendemos o calendário e o relógio. Ao ler um grande autor, vencemos a miopia de só querer fazer coisas imediatamente úteis.
Ler é, suscitar o silêncio interior, lutar contra a violência destruidora do tempo, fazer uma homenagem à inteligência humana, ler é procurar, compreender, descobrir.
Pegando num livro, quem leu por exemplo O Diário de Ann Frank, ficou a saber um pouco mais sobre o nazismo. Provavelmente alguns não tinham uma ideia precisa do que tinha sido e a noção de todo o mal que tinha feito a milhões de inocentes. Quem leu este livro não vai certamente reivindicar este regime no futuro.
Pegando num autor, ler Eça de Queirós, talvez o melhor escritor à face da Terra, (e é português), leva-nos a viajar no tempo, mas com uma precisão que até parece estarmos dentro das histórias.
Existem livros e autores divertidos, sérios, inteligentes, comoventes, por vezes trágicos, que fazem pensar. Tal como a vida.
O livro compra-se, lê-se, oferece-se, discute-se... vive-se.
O que fazer depois da leitura?!
Bom seria ouvir estas palavras sempre:
“...adoro ler. Comecei desde muito pequeno, ainda andava na Escola Primária, a devorar livros, e nunca mais parei, e foi devido a eles que surgiu a minha paixão por História. Os livros são a única coisa da qual eu não prescindo, no dia em que não puder ler é porque estou debaixo da terra...”
E não estas:
“... não leio, porque à minha volta ninguém lê. Não leio porque gasto o dinheiro com o telemóvel. Não leio porque esqueci o sentido de muitas palavras que vêem nos livros. Não leio porque está sempre a televisão ligada.”
...leitores devidamente identificados

Carlos Garcia

29.7.06

MÓNACO 2005


MOTIVAR PARA A LEITURA

Eduardo Prado Coelho define assim o acto da leitura:

“Ler é um infinitivo pessoal como morrer ou amar: é entrar num espaço onde só a releitura é leitura. Perto de um tempo outro, destroçados os eixos da cronologia. Igual a uma boca nocturna que nos prenda. Não é apenas alinhar os signos propostos no fio mais saliente do discurso. Nem basta que fiquemos enleados, enlodados, no laço, lago, que as palavras, muitas, apertaram. Caminhamos para uma leitura em que as mesmas palavras, lidas, abolidas, delidas, se erguem, no seu jogo de incidências, marcas, incisões, para fazerem de nós, aparentes leitores, um certo limiar, uma constelação de traços esboçados”.

Não sou um especialista em letras... sou professor de educação física, no entanto gosto muito de livros e dos livros. Actualmente estou na direcção de um Centro de Recursos de um estabelecimento de ensino, daí que as minhas maiores preocupações estejam em não só divulgar o livro como também em motivar para a leitura. A leitura é uma actividade essencial no mundo civilizado. Não chega saber ler, isto é, descodificar um alfabeto em palavras e frases mais ou menos compreensíveis. É necessário gostar de ler. E o gostar de ler implica, não só obras técnicas e científicas, mas também, e principalmente, obras literárias.
Se uma criança for, desde o berço, habituada a ouvir histórias lidas ou contadas pelos pais, se ela for motivada e bem acompanhada na escola, se lhe derem tempo, dentre o oceano das actividades que lhe impõem, para se encontrar consigo num quarto à frente de um livro, talvez, quando crescer seja um adulto que ame a leitura. Doutro modo, teremos cidadãos alfabetizados, mas extremamente incultos e de uma enorme pobreza de espírito.

Vivemos um momento social em que as pessoas têm imensas solicitações. A vida está de tal modo preenchida que são poucos os momentos que cada um tem para se encontrar consigo próprio. Após um dia agitado de trabalho, o adulto regressa a casa e não tem já vontade senão para dar uma olhadela rápida para a televisão e deitar-se. Se houver filhos, estes mal vêem os pais.
Por outro lado a vida destes não é muito diferente da dos pais. Passam o dia na escola, com imensas disciplinas, imensas matérias a estudar ao mesmo tempo, testes, exames, trabalhos, fichas, visitas de estudo, actividades, começando a ser difícil encontrar algum tempo livre para estar sozinho. E se isso acontece, não sabem como passar esse espaço de tempo, porque não estão habituados a momentos de reflexão e de encontro consigo mesmos.
Ora, a desmotivação em relação à leitura que cada vez mais se faz sentir é um sintoma que deriva exactamente de todo este contexto social. As queixas, as constatações de que as crianças e os jovens não lêem são imensas. Eles realmente não lêem e é muitas vezes, uma espécie de castigo obrigá-los a tal actividade.

A escola deve ajudar os jovens a apropriarem-se de estratégias que lhes permitam aprofundar a relação afectiva e intelectual com as obras, a fim de que possam traçar, progressivamente, o seu percurso pessoal enquanto leitores e construírem a sua autonomia face ao conhecimento. Favorecer o gosto de ler implica que a instituição escolar proporcione ocasiões e ambientes favoráveis e que promova a leitura de obras variadas em que os alunos encontrem respostas para as suas inquietações, interesses e expectativas. Ler não pode, pois, restringir-se à prática exaustiva da análise, quer de excertos, quer mesmo de obras completas. O prazer de ler, a afirmação da identidade e o alargamento das experiências resultam das projecções múltiplas do leitor nos universos textuais.
Em geral, os alunos do ensino básico, secundário, ou universitário não estão suficientemente motivados para a leitura. As grandes causas, segundo um estudo de Maria Victoria Reyzábal e Pedro Tenorio (, 1992, El Aprendizaje Significativo de la Literatura, Madrid, Editorial La Muralla), são: “1. A sociedade actual oferece outros produtos para os tempos livres que requerem menos esforço. 2. As obras recomendadas e as técnicas de acesso não são adequadas para a idade e interesses dos alunos (ora pela sua extensão, tema, estilo, ou complexidade).”
Para fomentar o hábito e o gosto pela leitura, convém que esta comece antes de saber ler. Aos mais pequenos há que ler-lhes e comentar-lhes obras adequadas para a sua idade (seleccionadas quanto ao que dizem e como dizem) para que conheçam a tradição popular, fantasiem, sonhem com lugares remotos ou aventuras utópicas e constatem realidades próximas. Ler implica realizar uma actividade criadora, é conversar com outros. A leitura exige, pelo menos no início, solidão, concentração, silêncio, mas mais tarde pode ser compartilhada e debatida com os companheiros. As preferências variam com a idade, o sexo, o meio, o nível educativo e as características sócio-culturais. Ler traz consigo descoberta, comunicação, possibilidade de nos conhecermos melhor a nós mesmos e enriquecimento intelectual.
Maria Vitalina Leal de Matos ( 1987, «Reflexões sobre a leitura», em Ler e Escrever. Ensaios, Lisboa, IN-CM ) diz-nos que: “o ensino da literatura é, em rigor, impossível, pela simples razão de que a experiência não se ensina. Faz-se. Mas podem e devem criar-se as condições para essa experiência: removendo obstáculos e proporcionando ocasiões.”


Carlos Garcia